terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Sobre Tonha, Ana, Zélia e nós...
Ontem foi meu aniversário. Fiz 23 anos.
Ana estava com setenta por cento do corpo queimado.
Há cinco anos não atravessava a data em casa, com minha família.
Mas como de surpresa e de esperado a escala me esperava para todo o dia.
Que mal humor. Que desgostoso com a vida. Fui.
Nem almoçar dava tempo....
Pois que me deslocam para conversar com a delegada da mulher.
Numa alta conversa ela profere três vítimas de fogo.
Balbuciei, "vítima de arma de fogo".
Ela repete: não, de fogo. Fogo de queimar.
Fiz um bico juntei as sobrancelhas.
Fiz ali o que tinha de ser feito. Os vinte e um anos da delegacia da mulher. A segunda do estado. Alguns dados, a importância, a relevância, a denúncia, os dados de sempre de tantas surras e da falta de tato.
Zélia estava na UTI em Cuiabá.
Entreguei o material pedido, mas estava atravessada com aquela conversa de frases curtas. Decidi apostar naquilo, me joguei e defendi a pauta. Ganhei e tive que saltar em curto tempo.
Buscava elas como quem busca a última esperança.
Desejava que fosse mentira e que a pauta caísse.
Antônia não conseguia se expressar.
Depois de muito sol nas horas, o bairro de uma.
Todo mundo ouviu falar da menina machucada com gasolina.
Ninguém sabia onde estava.
Quatro da tarde.
Quero pelo menos jantar com minha família....
A mãe de Antônia é doméstica.
Conseguimos a avó.
"Deve estar no posto de saúde fazendo o curativo, todo dia ela vai lá".
Nada de Tonha.
Mais uma vez a procura de Zélia.
Zélia não está. Não está em lugar algum.
Sem sobrenome, endereço, sem número, talvez RG.
"O rosto foi o mais prejudicado", disse o diretor do hospital. "Ela não deve querer falar com ninguém".
O namorado disse que jogaria, ela duvidou ele foi até o vizinho e pegou gasolina da moto. Jogou. Queimou.
Ana não quer ver ninguém.
Cinco da tarde.
Sol das três.
Usava jaqueta jeans para se proteger.
Perguntei se era Tonha.
Disse que era com cara de quem não era porque nem sabia mais quem era...parte do corpo era....Respirava feliz, Tonha. Era como se amasse.
"O que ela não pode fazer é voltar com aquele vagabundo. Já sabe".
Não achava que ia dar nisso.
E nos olhos o suplício da saudade. Uma saudade insana, mundana, sem dramas, sem tato. Para que tato? Quando tato? Quando?Aceitou gravar. Mas não estava presente. Sumiu Tonha dentro de suas feridas quase cicatrizadas. Tonha, conte-nos, como foi?Tonha não sabe. Foi rápido. Tonha não acredita. Acontece. É tanta coisa para se acreditar. Tanta falta de tanto para continuar. É melhor deixar tudo como está.
Tato
Fato
A última foi casa de Zélia que só soubemos ser Zélia quando encontramos a casa.
Zélia em Cuiabá. Aqui não está.
Minha mãe foi queimada com tiner. Ele já foi preso. Bebia muito..
Anaenfermaria.
Tonhacanhamada
Zélia na escuridão.
Fiz vinte e três.
Ana tinha vinte e um.
Era quarta-feira.
Quarenta dias que Tonha cicatrizava.
Tonha tem vinte.
Ontem foi meu aniversário.
Chorei por mim.
Chorei por Ana.
Chorei por mim e por elas..................
Roo: 14/08/2008Os nomes são foram mudados para preservar as fontes.Três meses depois a informação de que Zélia não resistiu aos ferimentos.
Ana e Tonha.. por onde andam....Seus parceiros... onde?
Por Carla Gavilan
domingo, 28 de dezembro de 2008
Mais uma carta unilateral
Saí de lá aos prantos. Tomada pela frustração da palavra não dita.
Durante quase um ano, confabulei sobre a possibilidade deste encontro. Em muitas vezes, não tive paciência de esperar pelo acaso e procurei cordialmente provocá-lo, em vão. Havia tanto a dizer. Quando a expectativa já não existia e tudo parecia no lugar, você estava lá. Mas as palavras se perderam na agonia do inesperado. Agora eram quase palavras. No seu lugar apenas o trivial.
Doído foi ver você fugir. Nervoso, ofegante, lapso de insegurança. Pediu um pouco d'agua.
Meu desejo era dar um abraço forte e interminável. Num encontro das respirações aceleradas, no reconhecimento do perfume familiar. Sem nenhuma palavra, nada. Apenas a verdade do silencio que cala aquilo que não precisa ser dito. Quem sabe uma música... Só.
Delírio.
Minha desventura foi amar alguém que tem medo de viver.